sábado, setembro 30, 2006

CRÍTICAS DA BIZZ ESPECIAL NIRVANA - Pt 4

A expectativa para o novo álbum do Nirvana era grande. E as cobranças também. A famosa pressão do segundo disco só chegou ao Nirvana ao gravar seu terceiro trabalho de estúdio. No intervalo entre Nevermind e In Utero muita coisa aconteceu. Kurt ganhou o papel de porta-voz da geração X. Músicas como “Smells Like Teen Spirit” e “Lithium” foram executadas à exaustão. A vida privada dos integrantes, principalmente a de Kurt, era coisa do passado. E tudo isso afetaria a música do grupo. In Utero tem um som sujo, cheio de microfonias e barulhos estranhos. “Scentless Apprentice” e “Milk It” são as músicas mais pesadas gravadas pelo trio. As letras ficaram mais diretas. “Estupre-me”, gritava Kurt Cobain em “Rape Me”. Ele reclama da dor em “Serve The Servants” e dá dicas de aborto em “Pennyroyal Tea”. Mas também há espaço para belas canções com uma sonoridade quase acústica em “Dumb” e “All Apologies”. Como é dito no texto da Bizz, foi um álbum de parto difícil, mas o resultado final foi mais que satisfatório. Longe de ser uma simples continuação de Nevermind, In Utero foi um passo adiante na carreira da banda, que prometia ser cheia de discos de igual coragem e inteligência, não fosse aquele tiro em 5 de abril de 1994. Abaixo, o excelente texto de autoria de Celso Pucci, extraído da edição da Bizz de setembro de 1993.

NIRVANA – IN UTERO
(BMG-Ariola)

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Ao entrevistar o R.E.M. para a Bizz há um ano, perguntei ao baixista Mike Mills o que achava da ascensão-relâmpago e do sucesso fulminante conquistado pelo Nirvana, em contraponto à árdua década de estrada percorrida pelo grupo de Athens num esquema alternativo similar. Ele me disse que os considerava uma grande banda, mas que não gostaria de estar na pele deles.
Muito compreensível: uma coisa é você lidar com a fama e o sucesso gradativamente, se acostumando aos poucos aos prazeres e aos percalços que este tipo de vida reserva. Mas algo totalmente diferente é chegar como um foguete a este “clube privado”, onde fortes interesses financeiros, excessos de todas as espécies, escândalos, assédios diversos e falta de privacidade fazem parte da rotina.
Por isso o trio de Seattle tinha razão de se sentir meio destrambelhado e assustado com a responsabilidade de conceber o sucessor do multiplatinado Nevermind. Seu líder, Kurt Cobain, foi o mais visado neste processo que incluiu problemas pessoais (brigas com sua mulher Courtney Love, ríspidos arranca-rabos com a imprensa, prisão por porte de armas) e artísticos (sucessivos adiamentos do lançamento do disco, desentendimentos com o produtor Steve Albini, atritos com a gravadora Geffen etc.).
Assim, a edição deste In Utero foi um parto difícil, mas acabou solidificando a posição do Nirvana no universo pop – não apenas para os fãs, mas também servindo de resposta para os adversários ferozes do grupo que apostavam que aquele “trio de porra-loucas” não iria fazer mais nada depois de Nevermind.
E In Utero, apesar de conter alguns elementos já utilizados no álbum anterior, claramente não tem o mesmo apelo comercial e joga suas fichas mais no “som podreira”. Talvez as principais responsáveis por isso sejam as mãos de Steve Albini nos controles, detonando porradas como “Scentless Apprentice”, “Milk It” e “Radio Friendly Unit Shift”, faixas onde as descargas de distorção conduzem guitarra e baixo sobre um ritmo maníaco da bateria, bem ao estilo hardcore do Big Black, o antigo grupo de Albini e um dos expoentes neste estilo musical. Isso quando Kurt e sua turma não recorrem ao punk rock curto e grosso – caso de “Very Ape” e “tourette’s”. Mas não é só: começos e finais de faixas são repletos de barulhos diversos, microfonias, ruídos ambientes etc., o que serve para acentuar ainda mais a sensação de caos que permeia a maior parte do disco.
Outras canções como o primeiro single do álbum, “Heart-Shaped Box” (uma das faixas com mixagens adicionais de Scott Litt, produtor do R.E.M.), “Serve The Servants” e “Rape Me” utilizam-se da pauleira melódica que celebrizou os maiores hits de Nevermind, mas apenas como recurso musical e não por mera repetição ou concessão comercial. E há até mesmo baladas “singelas” como “Dumb” e “All Apologies” – suaves exceções entre as tempestades de guitarras do álbum –, ambas melancolicamente embaladas pelo cello de Kera Schaley.
Mas apesar de ainda destilar revolta, junto a suas encanações com o estrelato e até mesmo uma tendência suicida explícita (vide “I Hate Myself And I Want To Die”, não creditada no encarte do disco), Kurt parece se preocupar bastante com sua atual condição de “pai de família” e com citações que não cheirem ao “espírito juvenil” estigmatizado em sua pessoa. É o que se pode deduzir a partir do título do disco e de algumas letras como “Pennyroyal Tea” (sobre um método de indução ao aborto, onde até Leonard Cohen é citado) e “Frances Farmer Will Have Her Revenge On Seattle” (tributo à atriz cinematográfica dos anos 30 que inspirou o nome de Frances Bean, a filha de Cobain com Courtney Love).
Posto isso, é bem compreensível que aqueles fãs que esperavam por um Nevermind – Vol.2 fiquem meio perdidos ao ouvir este In Utero. Não é para menos: é um disco difícil. Mas nascer também não é fácil e a gente acaba se acostumando a viver.
Celso Pucci

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