quinta-feira, março 27, 2008

R.E.M. - ACCELERATE

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É um álbum que se não vai mudar o mundo, serve para ser deixado no repeat enquanto se questiona a descrença na mídia, nos políticos e em si mesmo. A resposta a ser encontrada provavelmente será a mesma proposta por Michael Stipe: acelere, não há tempo a perder. Não há mesmo.

Confira o texto completo sobre o recém-lançado álbum do REM, escrito pelo Marcelo Costa, clicando aqui. Depois você pode baixar Accelerate aqui. Enjoy!

segunda-feira, março 24, 2008

A GIFT FROM SCOTLAND

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Não é de hoje que a Escócia nos presenteia com boas bandas. Jesus and Mary Chain, Teenage Fanclub, Belle & Sebastian, Primal Scream, Franz Ferdinand... A lista é grande. Mas uma das últimas boas novidades a sair da terra do uísque foi o Sons & Daughters. O quarteto, formado por Adele Bethel (vocais, guitarra e piano), David Gow (bateria e percussão), Ailidh Lennon (baixo e piano) e Scott Paterson (vocais e guitarra), faz um som que pode ser classificado como folk-punk-blues-pop, na boa definição do jornalista Marcelo Costa (responsável pelo Scream & Yell, Calmantes com Champagne e Revoluttion, todos linkados ao lado). A estréia em disco cheio (eles têm um EP lançado, chamado Love The Cup) aconteceu em 2005, com o ótimo The Repulsion Box. E agora a banda chega com This Gift, que foi gravado longe das influências do mundo moderno, numa pequena vila escocesa, e consegue ser melhor que o primeiro, com a banda mais coesa e ciente do que quer. A faixa "Iodine" não para de rolar por aqui (confira um trecho dela no vídeo abaixo). Vai atrás!

quinta-feira, março 20, 2008

SPIDER-MAN - BACK IN BLACK

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Antes da malfadada e ultra comentada One More Day, tivemos a boa saga Back in Black (Amazing Spider-Man 539 a 543), que começa a sair pelo título nacional do aracnídeo agora, em Homem-Aranha 75, trazendo como principal atrativo a volta do uniforme negro (aqui entre nós, sempre achei essa versão bem mais bonita que a tradicional), mais condizente com a atual forma de operação do herói, um fugitivo que desertou o lado pró-registro na Guerra Civil.
A trama começa a partir de onde o arco anterior, ligado exatamente à Guerra Civil, terminou, com a Tia May baleada a mando do Rei do Crime, que, como todos, sabe a identidade do herói, e procurou logo se vingar de tantas derrotas sofridas pelas suas mãos. Depois de levar sua mãe de criação ao hospital, o Homem-Aranha começa uma caça insana aos culpados. Ênfase no “insano”. Nunca o vi tão transtornado como da maneira em que ele foi retratado aqui.
Começando com os bandidos mais, digamos, pé rapados, ele logo chega aos graúdos, e não demora para chegar ao topo da cadeia criminosa, descobrindo que Wilson Fisk, o Rei do Crime, foi o responsável por tudo. Ele logo invade a prisão da Ilha Riker, onde se encontra o criminoso, e entra num embate que, desde já, entra para os anais dos combates em arte seqüencial. Totalmente derrotado pelo Aranha, ele ouve uma promessa do próprio: quando May morrer, ele volta para terminar o serviço e matar o criminoso.
Enquanto isso, Mary Jane está ao lado de May Parker no hospital, tomando todos os cuidados para que não descubram que quem está ali é a tia do Homem-Aranha. Quando a coisa começa a apertar, Peter e MJ resolvem transferir a tia de hospital, cometendo vários crimes no processo.
Como pôde ser visto, a vida do velho amigão da vizinhança está totalmente de cabeça para baixo. A tia a beira da morte, fugitivo, a situação financeira também nada bem, comportamento auto-destrutivo. Ou seja, prato cheio para deixar os fãs babando pelas próximas histórias, certo? Certíssimo!
Mas a Marvel resolveu escolher o caminho mais fácil, e irritar meio mundo com isso, e com a já citada One More Day, que ainda não li, mas todos sabem do que se trata, apagou boa parte da cronologia aracnídea, inclusive o fato que sua identidade secreta era pública e notória, que ele era um professor e não mais um fotógrafo do Clarim, seu casamento com MJ, entre outras barbaridades editoriais, que foi explicada com a já famosa “we don’t have to explain, it’s magic”. Resta então aproveitar Back in Black com o último biscoito do pacote, pois depois disso é só ladeira abaixo...

sexta-feira, março 14, 2008

PEOPLE ARE STRANGER

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Recentemente li um material que há tempos tinha vontade de ler. Estou falando de Strangers in Paradise (ou Estranhos no Paraíso), de Terry Moore, responsável pelo roteiro e desenhos. A HQ gira em torno de duas amigas, Francine e Katchoo, que moram juntas e tentam sobreviver nesse mundo machista. Nada de superpoderosos, invasões alienígenas e crises infinitas e intermináveis. O primeiro volume, correspondente as 3 primeiras edições, justamente o que li, saiu em meados dos anos 90 e devagarinho foi ganhando a fama de cult. Os demais volumes contém mais edições, e já estão devidamente instalados no meu HD para serem lidos. Recomendadíssimo!

quinta-feira, março 13, 2008

PORTISHEAD - THIRD

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01 “Silence” - 4:59
02 “Hunter” - 3:57
03 “Nylon Smile” - 3:16
04 “The Rip” - 4:30
05 “Plastic” - 3:27
06 “We Carry On” - 6:27
07 “Deep Water” - 1:30
08 “Machine Gun” - 4:43
09 “Small” - 6:45
10 “Magic Doors” - 3:32
11 “Threads” - 5:47

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Demorou. E muito! Foram mais de 10 anos desde o último álbum de estúdio. Mas finalmente saiu o terceiro disco de inéditas do Portishead, talvez a principal banda responsável pela popularização do trip-hop na década passada. Third traz 11 novas músicas que trazem as batidas perfeitas e a melancolia da vocalista Beth Gibbons revisitadas para o novo milênio. Enjoy!
Ah, e não estranhe a fala em bom português logo no começo de “Silence”, faixa que abre o CD. Baixei até uma segunda vez o disco, temendo ter pego um arquivo errado, mas estava tudo certo mesmo.

terça-feira, março 11, 2008

CAPAS PANINI MARÇO - DESTAQUES

Bem atrasado, mas vou manter pelo tradição. Não custa repetir: o que está em questão aqui é a arte, e não o conteúdo da revista, ok?
Ah, um recadinho: comentários banidos do blog até segunda ordem. Ninguém comenta mesmo! Se quiserem se comunicar, dar algum recado importante, mandem e-mail, beleza?
Vamos às capas, então:

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segunda-feira, março 10, 2008

AS FACETAS DE BOB DYLAN (PT. 6)

LÁZARO, O QUE VOLTOU DOS MORTOS
Discografia: Infidels (83); Empire Burlesque (85); Knocked out loaded (87); Oh Mercy (89)

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Na capa de Infidels, Bob Dylan, ritual Yarmulk na cabeça, ajoelha-se no solo de Israel. Na primeira faixa do disco, o quase-reggae "Jokerman", sua voz madura, apaziguada, discorre lucidamente sobre as incontáveis armadilhas de um mundo tornado mais complexo, e mais cruel, pela mesma tecnologia que deveria simplificá-lo e salvá-lo. Na virada dos quarenta anos, na entrada de uma década que se revelaria uma estranha mistura de gozo e paradoxo - Aids e Reagan e MTV e computadores e satélites e mídia global dançando alucinadamente -, Dylan parece ter achado o olho do furacão. Robert Allen Zimmerman reconciliou-se afinal com sua criatura: ele, agora, pode ser o menino judeu de Hibbing, o bardo de Greenwich Village e o popstar recluso de Malibu numa única pessoa.
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Os discos se deixam espaçar, calmamente. Dylan compõe como quem volta a andar depois de uma longa enfermidade debilitante, com cuidado. Uma turnê com Tom Petty, discípulo tornado comparsa, constrói vínculos com mais uma geração. Uma aliança com o produtor Daniel Lanois, que vem de outra formação e outra experiência, abre portas insuspeitadas em sonoridade e idéias: Oh Mercy é um triunfo. Quantas mortes e quantas vidas Bob Dylan ainda vai inventar?


(texto de autoria de Ana Maria Bahiana, e publicado originalmente na revista Bizz de janeiro de 1990)

domingo, março 09, 2008

AS FACETAS DE BOB DYLAN (PT. 5)

O CRENTE
Discografia: At Budokan (78); Slow Train Coming (79); Saved (80); Shot of Lore (81)


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A ordem que Dylan encontra é a mais banal possível: em 1980, para espanto de fãs e não-fãs e delícia da imprensa, ele anuncia que acaba de se converter ao protestantismo fundamentalista, uma das formas mais simplistas de fé religiosa cristã que pode existir. Com um único gesto, Dylan não apenas renega todo o seu passado imediato como livre pensador secular mas também toda a sua história familiar como judeu.


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A esterilidade pessoal que se esconde atrás dessa escolha aparentemente estapafúrdia revela-se nos discos deste período - os piores que Dylan conseguiu fazer em toda a sua carreira. Não existe mais o poeta alucinado, o trovador arrogante, o crítico inclemente, apenas um homem sozinho e infeliz, implorando a misericórdia de Deus por pecados reais ou presumidos - o pior deles, sem dúvida, o de ter renegado o próprio talento.

(texto de autoria de Ana Maria Bahiana, e publicado originalmente na revista Bizz de janeiro de 1990)

sábado, março 08, 2008

AS FACETAS DE BOB DYLAN (PT. 4)

O TROVADOR ELÉTRICO REVISTADO
Discografia: Before the Flood (74); Blood on the Tracks (74); Desire (75); Hard Rain (76); Street Legal (78)


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Com uma fúria inigualada desde os tempos do festival de Newport, Dylan e a Band partiram para a estrada em 73. O resultado está captado admirávelmente em Before the Flood, um dos melhores álbuns ao vivo de todos os tempos. Como um grande balanço de sua vida e de sua obra, Dylan revê seu próprio repertório com vigor e espírito crítico, reinterpretando espetacularmente seus próprios cavalos-de-batalha e, assim, construindo a transição entre a sua geração - que se embalava confortavelmente nas diluições mornas do rock pomposo dos 70 - e a geração seguinte - que sonhava a imensa ruptura punk, ainda por vir.


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Como que impulsionado pela energia nervosa dessa tour, Dylan atravessa os últimos anos 70 a bordo de uma espécie de nuvem magnética. Sem a Band, acompanhado por músicos diversos, quase semi-amadores, ele compõe longas e sinistras canções de amor, abandono e desejo, cada vez mais crípticas e cabalísticas, ocasionalmente comentando algum assunto político que, por acaso, atravesse seu campo de visão. É uma produção estranhamente brilhante, essa do Dylan que vê chegar a meia-idade sem ter encontrado ainda resposta alguma - irregular mas intrigante, angulosa. Os cripto-fãs que analisam cada milímetro de suas letras - uma degeneração da dizimada cultura sixties, como os dead heads e os neo-hippies - não chegam a perceber para onde Dylan está rumando. Emocionalmente à deriva, ele, que sempre pregou a ruptura, anseia agora pela ordem no caos. Qualquer ordem serve.

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(texto de autoria de Ana Maria Bahiana, e publicado originalmente na revista Bizz de janeiro de 1990)

sexta-feira, março 07, 2008

AS FACETAS DE BOB DYLAN (PT. 3)

O CAIPIRA ESCLARECIDO
Discografia: John Wesley Harding (68); Nashville Skyline (69); Self Portrait (70); New Morning (70); Pat Garrett and Billy the Kid (73); Planet Waves (74)


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O Dylan que emerge do retiro em Woodstock é, mais uma vez, uma síntese de sua geração - na virada dos trinta anos, casado e pai de família, violentamente confrontado com sua própria mortalidade, ele desacelera, medita, reavalia suas opções. Quando o sereno, semicountry John Wesley Harding é lançado, em 68, parece que Dylan encontrou, enfim, maturidade e serenidade, e está dando um passo adiante num ano ruidoso e explosivo, ano de revolução cultural na China, tumulto estudantil em Paris. Na verdade, Dylan estava apenas ganhando tempo, confessando sua perplexidade diante da quantidade de certezas destruídas que os últimos meses haviam acumulado em sua vida - exatamente como seu público faria durante a nova década, diante de coisas tão desconcertantes quanto a escalada da Guerra do Vietnã, Watergate, drogas pesadas e discoteca.


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Sua primeira reação é voltar atrás, recuperar o fôlego - uma fórmula que, crise após crise, se mostra certeira no pop. John Wesley Harding e Nashville Skyline são discos marcados pela country music, pelo abraçar sem reservas da simplicidade, da rusticidade até. A voz está mais grave, mais doce, a lira está serena: o caipira esclarecido canta a vida e o amor sem pedir desculpas, e flerta com a possibilidade - que depois explorará quase até o delírio - da experiência religiosa como provedora de peso e significado.


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Os outros discos são irregulares - embora a trilha de Pat Garrett oculte um clássico, "Knockin´ on Heaven´s Door" -, Dylan não se apresenta mais ao vivo, brinca de fazer cinema (em Pat Garrett). Sua vida parece ecoar suas canções: "Êi, baby, este será o fim?", ele tinha perguntado, uma vez. Não: novamente, era apenas o início.

(texto de autoria de Ana Maria Bahiana, e publicado originalmente na revista Bizz de janeiro de 1990)

quinta-feira, março 06, 2008

AS FACETAS DE BOB DYLAN (PT. 2)

O TROVADOR ELÉTRICO
Discografia: Highway 61 Revisited (65); Bringing It All Back Home (65); Blonde ou Blonde (66); The Basement Tapes (gravados em 66/67, mas lançados apenas em 75)

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Onde Dylan teria percebido a mudança? No vento, como o personagem de sua própria canção? Os tempos estavam acelerados, pesados. Não apenas formalmente, com a chegada triunfal do imprevisível - uma onda de bandas inglesas que estavam relendo, com grande sucesso, a mesma ancestral tradição popular americana sobre a qual ele mesmo se debruçava - mas em cada um desses monumentais percalços históricos que parecem se acumular, caprichosamente, sobre cada dia dos anos 60: o assassinato de Kennedy, o assassinato de Martin Luther King, a Guerra do Vietnã, a Guerra dos Seis Dias no Oriente Médio, a pílula, o ácido lisérgico, a minissaia, a pop art, Andy Warhol. O que um pobre garoto poderia fazer?
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Em julho de 1965, a platéia do festival de Newport obteve a resposta. Dylan subiu ao palco com uma guitarra elétrica ao pescoço e, acompanhado por uma banda canadense - The Hawks, mais tarde rebatizada The Band, simplesmente -, atacou não as baladas folk que haviam feito sua glória, mas pesadas diatribes impulsionadas a eletricidade e fúria. A voz fanhosa rasgada num grunhido, num rosnar - "How does it feeeel? To be on your oooown..." ele rugia numa canção inédita, "Like a Rolling Stone". Os tempos, e Dylan, haviam definitivamente mudado.
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Num veloz curto-circuito típico da era, a fusão folk rock que Dylan pegara no ar, inspirado por Beatles e Stones, voltava a Beatles e Stones e inspirava, por sua vez, Rubber Soul e Between the Buttons. O documentário Don´t Look Back, de D.A. Pennebaker, captura o flagrante deste novo personagem, o Dylan popstar: arrogante, egoísta, defensivo, trincado, partindo o coração da namorada Joan Baez (que ele trocaria pela futura mulher Sarah Lowndes em 66), agredindo e humilhando a imprensa. O álbum duplo Blonde on Blonde captura o outro lado - a musa elétrica de Dylan em sua melhor fase, cuspindo metáforas e visões sobre o ricochetear funky da Band e convidados.
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Em julho de 66, dias depois de seu 25.º aniversário, um acidente de moto interrompe a até então irresistível decolagem de Dylan desde o dia em que saiu de casa, em 59. Aparentemente esbofeteado pelo destino, Dylan pára, some, recolhe-se a sua casa de Woodstock. Durante dois anos, boatos de todo tipo atravessam o novo clube do qual ele era sócio-fundador e presidente de honra: a novíssima elite rock. Dylan estaria desfigurado, ou drogado, ou louco, ou morto. Nada disso: trancado em Woodstock com a Band, Dylan estava se divertindo numa grande, longa festa íntima, como revelariam, anos depois, os Basement Tapes.

(texto de autoria de Ana Maria Bahiana, e publicado originalmente na revista Bizz de janeiro de 1990)

AS FACETAS DE BOB DYLAN (PT. 1)

O DISCÍPULO DE WOODY (1959-1964)
Discografia: Bob Dylan (61), The Freewheeling Bob Dryan (62), The Times They Are A-Changin´ (64), Another Side of Bob Dylan (64)

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A América era risonha e franca, quase pura, quando o menino Robert Allen Zimmerman inventou o trovador Bob Dylan. Havia subúrbios estalando de novos em torno das cidades, uma TV em cada casa e dois carros em cada garagem, um supermercado - essa incrível e recente invenção do conforto urbano! - em cada esquina e muitos bambolês em todos os armários. Em breve haveria um homem no espaço e um jovem presidente na Casa Branca, falando em justiça social e igualdade racial e namorando Marilyn Monroe escondido - John Kennedy, é claro -, e uma vaga euforia pairava no ar. É certo que existiam coisas como a ameaça nuclear, esta estranha novidade que parecia, a princípio, uma bênção, e agora ninguém estava tão certo assim; e o muro de Berlim e a Guerra Fria, e a CIA tramando sem parar a derrubada de Fidel Castro. Mas dentro das fronteiras da América, uma prosperidade inédita, confortável e segura embalava sonhos de transformação, acordava espíritos aventureiros.

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Robert Allen, filho dos donos de uma próspera loja de móveis e ferragens em Hibbing, Minnesota, achou que era um deles. O seu futuro provável - herdar a loja dos pais, como mandava a boa tradição familiar judia - parecia tedioso. Mais interessante era o futuro provável de um moderno trovador urbano, alguém que continuasse na nova década e na nova cidade a linhagem dos vagabundos poetas dos anos 30. Leadbelly, Woody Guthrie, Blind Lemon Jefferson, esses que ele ouvia em discos surrupiados às lojas dos negros, esses que ele ouvia em obscuros programas da madrugada, e em visitas secretas aos guetos.
Em 1959, Robert Allen saiu de casa com as bênçãos dos pais para estudar na Universidade de Minnesota. Chegou lá com o nome de Bob Dylan e um outro passado - era um vagabundo, descendente de índios Sioux, sua família vinha do Oklahoma. Instantaneamente, ele havia redesenhado seu futuro.

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Não ficou na universidade por muito tempo: um ano depois, já estava em Nova York, tocando violão e gaita nos bares do Village, compondo canções descaradamente parecidas com os talking blues de Woody Guthrie, mas um tanto mais loucas, repletas de visões apocalípticas, uma agilidade política mais feroz, mais adequada aos novos tempos. O Village Voice e o New York Times acharam aquilo muito chique, muito apropriado. John Hammond, um produtor e folclorista repleto de poder na gravadora Columbia, arranjou rapidamente um contrato.

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Em 1961, aos vinte anos de idade, dois anos após ter-se inventado, Bob Dylan era o novo artista mais promissor e badalado dos Estados Unidos. É preciso lembrar que não havia Beatles nem Stones nem "rock" como conhecemos hoje. Havia um imenso vácuo de desejos não realizados, uma geração em busca de sua própria voz nessa era de prosperidade e esperança. Com seus talking blues revisitados, suas baladas de amor e fúria - "Blowin´ in the Wind", "Masters of War", "Don´t Think Twice, It´s Alright" , "The Times They Are A-Changin´" -, seu canto fanhoso, seu olhar de poeta e seus cabelos de maluco, mentiroso mas sagaz - ou seja, misterioso -, Bob Dylan acabara de descobrir essa voz.
(texto de autoria de Ana Maria Bahiana, e publicado originalmente na revista Bizz de janeiro de 1990)

terça-feira, março 04, 2008

DISCOTECA BÁSICA

BOB DYLAN - BLONDE ON BLONDE

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Tente imaginar o seguinte: você tem 25 anos; nos últimos cinco anos de sua vida, você se tornou, primeiro, um campeão dos direitos humanos, herói da política estudantil, trovador querido dos universitários e de todas as colorações da esquerda. Depois, numa velocidade que lhe parece absolutamente alucinante, você se viu no trono do estrelato pop, adorado agora por multidões de jovens. Só alguém foi tão famoso em seu país, os Estados Unidos: Elvis Presley. Mas Presley era um bronco, um ingênuo, uma criatura de seu empresário. E você, não: você sofre de lucidez crônica, muitas vezes paranóica, um lirismo brotando por todos os poros, uma consciência crítica que não o deixa dormir. Você leu, foi ao cinema, gosta de poesia. Mas, hoje, na América ninguém é mais famoso do que você.
Foi nesse contexto que Bob Dylan criou Blonde on Blonde, um álbum duplo vital, obsessivo e transformador, capítulo derradeiro no livro número um de sua biografia. Blonde foi lançado em maio de 66. Em julho, Dylan foi cuspido fora de sua moto Triumph 500, nas cercanias de Woodstock e, com várias costelas quebradas, suspeita de fratura de crânio e lesão cerebral, viu-se confinado a uma cama de hospital por três meses, seguidos de mais um ano de afastamento da vida artística - começava aí o livro dois de sua vida. Mas voltemos atrás.
Voltemos ao jovem Dylan popstar, recém-casado com Sarah Lowndes - artista plástica, poetisa, adepta do zen-budismo -, consumidor contumaz de anfetaminas, excursionando sem cessar de uma costa à outra da América e, nos intervalos, ainda achando tempo para sessões de gravação nos estúdios da Columbia, em Nashville. O jovem Dylan que, no ano anterior, chocara o mundo careta e bem-pensante do festival folk de Newport, subindo ao palco com uma guitarra elétrica ao pescoço, e que, na seqüência, colocara no topo das paradas de sucesso uma longa diatribe sobre os rigores da vida errante, "Like a Rolling Stone".
Todos e cada um desses elementos, características de um momento rico mas tenso de sua vida, estão na música mercurial de Blonde on Blonde, um álbum duplo mas não muito - o lado D é inteirinho ocupado por "Sad Eyed Lady of the Lowlands", uma pungente balada de adoração a Sarah onde Dylan atinge o auge de sua capacidade poética de expressar amor.
"Sad Eyed" acaba sendo um dos raros momentos de serenidade num álbum que respira a energia nervosa da anfetamina. Outro instante de doçura é também uma balada de amor - "Visions of Johanna"; no caso, um adeus sentido mas terno a um grande ex-amor, Joan Baez. Muitos vêem tanto em "Sad Eyed" quanto em "Johanna" as primeiras manifestações de um sentimento realmente religioso em Dylan, a busca de uma dimensão metafísica, espiritual, para a existência.
A maioria dos músicos de Blonde... é de feras de Nashville, do country & western, portanto. Para afiar o gume cortante, ele acrescenta o grande guitarrista de blues, Al Kooper, e seus amigos canadenses e rockers, Levon Helm e Robbie Robertson, do grupo que viria a ser The Band. Órgão, guitarra e harmônica formam o coração elétrico da sonoridade e o disco todo é puxado nos agudos, um som nervoso, quase diáfano. Nos textos, atrás de uma bateria de metáforas, Dylan despeja rancores, paranóias e um insistente pedido de trégua. Ele tem raiva dos hipócritas em "Leopard-Skin Pillbox Hat", das amantes mentirosas em "Just Like a Woman", das situações irremediáveis em "Memphis Blues Again". Não há solução, diz a voz mercurial, ou melhor, a solução é "todo mundo ficar chapado" (ou "ser apedrejado", os dois sentidos de "get stoned", refrão crucial da faixa de abertura, "Rainy Day Women 12 & 35").

(texto de autoria de Ana Maria Bahiana, e publicado originalmente na revista Bizz de agosto de 1986)

segunda-feira, março 03, 2008

UZUMAKI - A ESPIRAL DO TERROR

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Uzumaki é um mangá com apenas três volumes publicado pela Conrad em 2006, e adquirido por esse que vos escreve recentemente. Ele conta a história de uma pequena cidade costeira do Japão, Kurouzu, local amaldiçoado pelas espirais. De uma hora para outra, vários eventos bizarros de alguma maneira relacionados com espirais começam a acontecer. Visto pelo olhar da protagonista, a estudante Kirie Goshima, tudo se inicia (ou ao menos começa a ser percebido dessa maneira) quando o pai do namorado da protagonista se mostra obcecado por uma casca de caracol. Depois disso, os problemas só aumentam, e qualquer coisa que lembre aspirais torna-se um verdadeiro horror. A fumaça do crematório passa a ter o formato das espirais, a mãe de Kirie corta as digitais dos dedos e fura a cóclea com uma tesoura, um garoto gordo e desajeitado se transforma literalmente em caracol, um furacão arrasa a localidade, deixando apenas uns casebres bem antigos estranhamente em pé, entre outros acontecimentos estranhos, que aos poucos vão minando a força de vontade dos seus habitantes para acabar com essa maldição.
O mangá foi escrito e desenhado por Junji Ito, considerado o mestre dos quadrinhos de terror no Japão. E esse não é um slogan vazio de significado, pois ele consegue mesmo transmitir o horror, o desespero e a angústia dos personagens com seus textos e traços, deixando o leitor ligado na trama como poucas histórias em quadrinhos conseguem, e algo raro até em filmes do gênero terror. Não sou um profundo conhecedor de mangás, e tenho poucos deles em minha coleção, mas Uzumaki é um dos melhores exemplos do que essa arte pode proporcionar para seus seguidores.