quinta-feira, março 06, 2008

AS FACETAS DE BOB DYLAN (PT. 2)

O TROVADOR ELÉTRICO
Discografia: Highway 61 Revisited (65); Bringing It All Back Home (65); Blonde ou Blonde (66); The Basement Tapes (gravados em 66/67, mas lançados apenas em 75)

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Onde Dylan teria percebido a mudança? No vento, como o personagem de sua própria canção? Os tempos estavam acelerados, pesados. Não apenas formalmente, com a chegada triunfal do imprevisível - uma onda de bandas inglesas que estavam relendo, com grande sucesso, a mesma ancestral tradição popular americana sobre a qual ele mesmo se debruçava - mas em cada um desses monumentais percalços históricos que parecem se acumular, caprichosamente, sobre cada dia dos anos 60: o assassinato de Kennedy, o assassinato de Martin Luther King, a Guerra do Vietnã, a Guerra dos Seis Dias no Oriente Médio, a pílula, o ácido lisérgico, a minissaia, a pop art, Andy Warhol. O que um pobre garoto poderia fazer?
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Em julho de 1965, a platéia do festival de Newport obteve a resposta. Dylan subiu ao palco com uma guitarra elétrica ao pescoço e, acompanhado por uma banda canadense - The Hawks, mais tarde rebatizada The Band, simplesmente -, atacou não as baladas folk que haviam feito sua glória, mas pesadas diatribes impulsionadas a eletricidade e fúria. A voz fanhosa rasgada num grunhido, num rosnar - "How does it feeeel? To be on your oooown..." ele rugia numa canção inédita, "Like a Rolling Stone". Os tempos, e Dylan, haviam definitivamente mudado.
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Num veloz curto-circuito típico da era, a fusão folk rock que Dylan pegara no ar, inspirado por Beatles e Stones, voltava a Beatles e Stones e inspirava, por sua vez, Rubber Soul e Between the Buttons. O documentário Don´t Look Back, de D.A. Pennebaker, captura o flagrante deste novo personagem, o Dylan popstar: arrogante, egoísta, defensivo, trincado, partindo o coração da namorada Joan Baez (que ele trocaria pela futura mulher Sarah Lowndes em 66), agredindo e humilhando a imprensa. O álbum duplo Blonde on Blonde captura o outro lado - a musa elétrica de Dylan em sua melhor fase, cuspindo metáforas e visões sobre o ricochetear funky da Band e convidados.
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Em julho de 66, dias depois de seu 25.º aniversário, um acidente de moto interrompe a até então irresistível decolagem de Dylan desde o dia em que saiu de casa, em 59. Aparentemente esbofeteado pelo destino, Dylan pára, some, recolhe-se a sua casa de Woodstock. Durante dois anos, boatos de todo tipo atravessam o novo clube do qual ele era sócio-fundador e presidente de honra: a novíssima elite rock. Dylan estaria desfigurado, ou drogado, ou louco, ou morto. Nada disso: trancado em Woodstock com a Band, Dylan estava se divertindo numa grande, longa festa íntima, como revelariam, anos depois, os Basement Tapes.

(texto de autoria de Ana Maria Bahiana, e publicado originalmente na revista Bizz de janeiro de 1990)