RAMONES, ROCKET TO RUSSIA (1977)
É duro ser um garoto de doze anos afundado até o queixo no lodoso tédio urbano. Todo mundo dá palpite na sua vida. O status em casa e na rua, a voz e até o corpo ainda são de criança – mas os instintos são de homem, e as garotas, todas ficando peitudas, não estão nem aí com você. Escrotas. Piranhas.
A única saída é dar uma de muito mais durão do que você realmente é. Começar a beber, fumar, bater punheta direto. E estar pronto para sacrificar qualquer coisa por alguns momentos de diversão adrenal.
Mas dá mesmo para sacrificar? É difícil. Nem todo mundo é durão de verdade. Dá até para afetar a cara de mau, mas no fundo você gosta de sessão da tarde... jogar fliperama, tomar milkshake, ouvir rock altão no seu quarto só para zoar com a mãe, pegar uma praia, passear ao crepúsculo de mãos dadas com sua baby (quem dera)...
Dá para jogar tudo para o alto só por um pouco de alegria? Vale a pena matar aula o tempo inteiro, não estar nem aí com a escola? Sim, se isso garantir a admiração das minas e o respeito dos colegas. Mas e se depois você acaba tomando pau por causa disso? Cheirar cola é gostoso... mas faz mal! Mas... qual é o problema de fazer mal? No fundo você vai acabar morrendo mesmo!
Viver é uma confusão desgraçada – e nunca isso fica mais claro na vida de um homem do que quando começam a aparecer os primeiros pêlos na cara.
O absurdo é que quatro nova-iorquinos broncos tenham capturado com tanta precisão este estado de espírito púbere que-se-foda. Sem intelectualismo nem autoparódia e em plena hegemonia Yes-Led, os Ramones inventaram o som da adolescência. Puro, sem misturas, sem gelo.
As bases já existiam, claro. O rock de garagem dos anos 60, a surf music, o bubblegum, Stooges, os Stones do começo, New York Dolls. O próprio Joey Ramone começou a cantar numa banda glam (o Sniper).
Mas os Ramones levaram a coisa um passo adiante, indo direto ao esqueleto do negócio: músicas de dois minutos, refrões simples e riffs primários, letras que viam a dor e a delícia de ser teenager através do rayban da cultura popular mais acessível e rastaqüera.
Tudo tão rápido, pesado e pegajoso quanto possível. Urgente como um comercial de TV. Punk rock, mesmo – se você pensar que punk originalmente significa vagabundo de rua, tranqueira, cara inútil para a sociedade.
Rocket To Russia pegou o que já era perfeito – os dois primeiros discos do grupo, Ramones e Leave Home, ambos de 76 – e elevou à categoria de transcendental. Tem duas covers, “Do You Wanna Dance?” e “Surfin’ Bird”, que dispensam comentários. E outras doze faixas originais essenciais, escritas com senso de humor, produzidas com capricho minimalista e executadas com a fúria e o tesão de quem está se divertindo pra cacete – contra tudo e todos. Entre “Rockaway Beach” e “Teenage Lobotomy” está tudo o que você precisa saber sobre rock.
Também tem “Sheena Is A Punk Rocker”, “Cretin Hop”, “I Wanna Be Well” – mas escute, não é isso que importa. Não importa que Johnny Rotten e Joe Strummer e esse bando todo de ingleses tenham se inspirado e imitado os Ramones, nem que grande parte da new wave, do punk e todo o hardcore deva as calças ao quarteto. Não importa a famosa cena do CBGB, nem o Blondie, nem os Talking Heads. Se discos futuros seriam irregulares, se eles bebiam ou se drogavam, se eles se repetiram, se Dee Dee compunha melhor que Johnny, se Mark isso e aquilo – naaaada disso importa.
O que importa é Joey Ramone cantando “I don’t care about this world/I don’t care about that girl… I don’t care”. Eu não tô nem aí, não tô nem aqui e quero que tudo mais vá pro inferno. I just wanna have some fun.
Ramones, a melhor banda de rock’n’roll da história – provavelmente.
Texto de autoria de André Forastieri. Publicado originalmente na BIZZ de dezembro de 1991.
Um comentário:
Milzão?!?! parabéns, velho!!! lembro q qdo comprei o rocket, ouvi 3 vezes seguidas!!! e na época ainda era vinil... Abraços...
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