terça-feira, março 30, 2010

LEGIÃO URBANA - V

(texto publicado originalmente na Bizz # 78, janeiro de 1992; autoria de Antonio Carlos Miguel)

Os fãs devem adorar. Quem nunca aturou as lamentações de Renato Russo e o instrumental do grupo - beirando a indigência - terá munição para execrá-lo. Mas ouvido com imparcialidade, V mostra-se um bem elaborado trabalho poético-musical. Uma das poucas coisas aceitáveis que foram produzidas em 91 pela geração 80 do nosso rock.
O disco é bastante amargo e acaba funcionando como uma radiografia de nossa época. Musicalmente o grupo nunca pretendeu soar como virtuose e aqui a simplicidade parece ser a alma do negócio. Os temas - geralmente impregnados de melancolia - fluem embalados pelas tramas de guitarras e violões de Dado e Russo, a discreta cama de teclados (também de Russo) e a cozinha feijão-com-arroz de Bonfá e do baixista convidado, Bruno Araújo.
A faixa de abertura é "Love Song", a única cuja letra não leva a assinatura de Russo, que a resgatou de uma "cantiga de amor" do século XIII escrita por Nuno Fernandes Torneol. É uma síntese do disco: a Legião volta à Idade Média para falar destes tempos de desesperanças, Aids e "Cóllera". Nessa linha, temos, ainda a épica "Metal Contra As Nuvens" (com seus climáticos onze minutos), a deprê de "O Teatro Dos Vampiros" (que sintomaticamente introduziu o disco nas rádios) e a confessional "Sereníssima".
De cara, quatro canções se destacam: "L´Â-ge D´Or" (com boas guitarras blueseiras), "Vento No Litoral" (com um lirismo que lembra os contos do jovem Dylan Thomas nas praias galesas), "A Montanha Mágica" (um dos melhores momentos do letrista Renato Russo em um relato de suas experiências com a heroína), além da já citada "Love Song". Tudo costurado por introduções e dois temas instrumentais: "A Ordem Dos Templários" e "Come Share My Life", uma melodia tradicional americana. O que dá tonalidades especiais para os claros e escuros de um disco que funciona como uma suíte, para ser saboreada na íntegra.

Nenhum comentário: