sábado, março 27, 2010

LEGIÃO URBANA - AS QUATRO ESTAÇÕES

(texto publicado originalmente na Bizz # 54, janeiro de 1990; autoria de Bia Abramo)

Fazendo um balanço apressado do rock brasileiro nos anos 80, uma das conclusões mais imediatas a que se chega é que a quantidade de letristas notáveis é superior à de bons compositores. Renato Russo faz parte deste time que ainda inclui, só para ficar nos mais famosos, Arnaldo Antunes e Cazuza. Só que ele se destaca da economia irônica de um e da poética maldita de outro por sua habilidade ímpar em transformar cada canção, seja pelo lado da crítica às instituições seja pelo das inquietações existenciais, em verdadeiros hinos. Renato é capaz de fazer seu público decorar letras gigantescas, cantar versos que não se encaixam direito na melodia e, mais importante, crer em cada palavra do que diz.
Não foi à toa que este quarto LP demorou a sair. Depois de dez anos cantando a revolta juvenil contra o mundo, a Legião tinha de mudar. Em As Quatro Estações, Renato refinou tendências que já apareciam em seus discos anteriores.
Não é nada estranho que ele tenha buscado inspirações espirituais ou escolhido se concentrar nos males do amor ou que tenha adaptado Camões e a Bíblia. Seu estilo - cantado em "português errado", segundo ele mesmo, em "Meninos e Meninas" - atingiu a maturidade preservando a inocência. É um disco para ser escutado prestando muita atenção no encarte. Em todas as letras há bons achados poéticos, mas é em Feedback Song for a Dying Friend", "Eu Era um Lobisomen Juvenil" e mesmo na radiofônica "Há Tempos" que ele consegue os melhores resultados.
A saída do baixista Renato Rocha obrigou uma recomposição de forças que tornou o instrumental mais enxuto e seguro, mas ainda tendendo entre o previsível e o possível. A banda escolheu o porto seguro das baladas e dos rocks básicos, com duas exceções que apontam para os caminhos que a Legião pode tomar: um lado mais raivoso e agressivo, com as guitarras cortantes de "Feedback Song for a Dying Friend" e, no extremo oposto, a sutil delicadeza, quase sacra, de "Monte Castelo".
Se a banda se libertou da síndrome de adolescentes queixosos, eles poderiam tentar vôos mais altos se livrando do hábito de utilizar a música apenas como um meio para as pregações de Russo.

Um comentário:

Marlo (The Batman) disse...

Como não podia deixar de ser, já deixaram um caça-níqueis (o tal Duetos) engatilhado para o aniversário de 50 anos do Russo. Posso estar errado, mas coisas assim acabam com a aura de mito do cara.