domingo, junho 03, 2007

40 ANOS DO SARGENTO PIMENTA

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Claro que não poderia deixar passar a ocasião do aniversário de 40 anos do Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, clássico disco dos Beatles que revolucionou o rock and roll, e postar algo sobre o mesmo, trazendo dois textos publicados em antigas edições da revista Bizz. Primeiro teremos a primeira Discoteca Básica da revista, publicada na edição de estréia. Melhor maneira de começar não há. Depois um texto destacando a belíssima capa do álbum, extraído do especial As 100 Maiores Capas de Discos de Todos os Tempos. Vamos lá:

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"Cada década produz um ou dois momentos autenticamente memoráveis. Em regra, apenas uma guerra ou uma tragédia apavorante conseguem penetrar as preocupações de milhões de pessoas ao mesmo tempo e ocasionar uma única e bem orquestrada emoção. Mesmo assim, em junho de 1967, tal emoção brotou sem ter sido causada por nenhuma morte, mas pela simples audição de um disco." Trecho do livro Shout!, de Philip Norman.
O tal disco era Sargeant Pepper´s Lonely Hearts Club Band. Ainda hoje existem centenas de milhares de pessoas que lembram-se com clareza cristalina do primeiro dia em que ouviram um trecho ou uma faixa de Sgt. Pepper´s. Na maioria dos casos, ficou na memória a lembrança de um imenso pasmo - feita pelo grupo pop mais famoso do mundo, ali estava uma coleção de sons musicais absolutamente inédita, revolucionária. Nunca se ouvira (ou se imaginara) coisa parecida: rock´n´roll misturado com vaudeville, ragas indianas entremeadas a cravos renascentistas, atmosferas psicodélicas combinadas com climas circenses. E também havia as letras, que para o suplemento literário do jornal inglês The Times eram "um barômetro dos nossos tempos" - fragmentos de imagens coladas num ritmo vertiginoso, lado a lado com os comentários sócio-políticos mais agudos. Sgt. Pepper´s expandiu o vocabulário e o alcance do rock como jamais se sonhara, elevando o gênero à inédita posição de arte.
A idéia do disco surgiu de uma música de Paul McCartney - "Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band", que ele compusera inspirado na onda de nostalgia vitoriana que na época varria a indústria de moda londrina. A música falava de uma banda imaginária liderada, vinte anos atrás, por um tal Billy Shears. Nada de mais. Até que Paul sugeriu a George Martin, produtor dos Beatles: por que não fazer um álbum inteiro como se a Sgt. Pepper´s Band existisse mesmo? Como se fosse a banda do Sargento Pimenta que estivesse tocando?
Martin tremeu na base. As máquinas de quatro canais usadas nos estúdios da época não comportariam a quantidade de idéias que os Beatles faziam jorrar. A solução foi um intrincado sistema de interligação de gravadores que gerou uma enormidade de superposições de fitas. E as fitas nunca pareciam suficientes para a criatividade dos Beatles - encharcados de LSD, eles escancararam as portas de sua percepção. Aobra-prima de Sgt. Pepper´s foi uma das últimas verdadeiras parcerias de Lennon e McCartney. John havia começado a escrevê-la sozinho, baseado em dedicada leitura dos jornais e na morte da milionária Tara Browne, amiga dele e dos Stones, vítima de um acidente automobilístico. Paul ofereceu para John algumas frases curtas - "acordei, caí da cama, arrastei o pente pela minha cabeça". "A Day in the Life", a música escolhida para encerrar o álbum, foi, provavelmente, a faixa mais difícil - todas as demais davam uma sensação de picadeiro de circo, até mesmo a indianista e intimista "Within You, Without You", de George Harrison, que terminava em gargalhadas. Em "A Day ín the Life" os Beatles queriam ser sérios. Como nunca. Para o grand finale da música John pediu, literalmente, “um som que crescesse do nada e chegasse até o fim do mundo". Martin encomendou uma orquestra de 41 músicos. Deu a eles apenas uma instrução: disse quais eram as notas mais altas e mais baixas que teriam que tocar. No miolo, era cada um por si. O resultado estonteante foi comparado por um crítico ao som "de um sarcófago sendo fechado", mas para os Beatles ainda não era um encerramento definitivo. Adicionaram, nos últimos sulcos do disco, duas coisas a mais: primeiro, um palavreado incompreensível gravado de trás para frente. Depois, uma nota na freqüência de 20.000 hertz, audível apenas para cães. (Bizz #01, agosto de 1985)

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Em 1967, enquanto os Beatles trancafiaram-se por quatro meses nos estúdios para fazer sabia-lá-Deus-o-que, o mundo girou rapidamente. Hendrix, Pink Floyd, psicodelismo, LSD, rádios piratas. "I Want to Hold Your Hand" já não podia sonorizar o planeta. Por intermédio de Peter Asher (irmão de sua namorada, Jane Asher, e metade do duo Peter & Gordon), Paul McCartney conheceu o mexicano John Dunbar, formado em artes em Cambridge, fanático por jazz radical, Duchamp, Beethoven e literatura beat. Em fevereiro de 1966, Peter Asher e John Dunbar uniram forças com o livreiro Barry Miles e fundaram a Indica Bookshop & Gallery. Foi lá que Lennon comprou o Livro Tibetano dos Mortos, que o inspirou a compor "Tomorrow Never Knows" e, algum tempo depois, conheceu Yoko Ono. E foi lá que Miles apresentou o marchand Robert Fraser a Paul McCartney.
Fraser era gay, heroinômano, aristocrático e rico de nascença - seu pai mexia com o mercado financeiro e era conselheiro da Tate Gallery. Paul o considera até hoje sua "maior influência artística formativa". Com ele, comprou quadros, foi a instalações, viajou para assistir a concertos de música erudita e experimentou drogas variadas. Quando os Beatles começaram a pensar na capa do álbum que gravavam havia quatro longos meses em clima de total mistério, foi inevitável que Fraser estivesse envolvido.
A idéia básica por trás de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band era a de que os Beatles "interpretassem" a tal banda do sargento Pepper como seu alter ego hippie. Paul chamou Robert Fraser e explicou que, para a imagem de capa, imaginava o tal grupo - os Beatles em uniformes de banda militar coloridos acetinados - em uma sala forrada com fotos de seus ídolos. Outras idéias transportavam os quatro bigodudos de Liverpool para uma imaginária pracinha de cidade do interior, em algum evento com o prefeito adornado com arranjos florais e coisas do tipo. Fraser sugeriu que, pelo tom nostálgico da coisa e pela enormidade de elementos populares, o homem certo para realizá-la seria Peter Blake.
Blake era um inglês de Kent, famoso pelos quadros repletos de colagens que misturavam peças de memorabilia, pin-ups, capas de disco, brinquedos fora de moda, fotografias triviais e molduras insuspeitas. Estudou arte folclórica, lecionou em várias universidades inglesas e morou por algum tempo nos Estados Unidos, quando desenhou para o jornal Sunday Times. Já era um nome de ponta da pop art britânica. A partir da idéia de Paul, imaginou a bandinha de metais entre um grande arranjo de flores em que se lê BEATLES, sendo laureada por uma multidão de celebridades vindas de recordações mais ou menos desconexas dos músicos - James Dean, Dylan Thomas, Karl Marx, Fred Asteire, Aleister Crowley, Edgard Allan Poe, Oscar Wilde, Tony Curtis, Paramahansa Yogananda e outros gurus de George Harrison, entre outros.
O ex-fotógrafo da Vogue Michael Cooper foi indicado por Fraser (seu amigo do circuito gay inglês, com quem abrira um estúdio no bairro de Chelsea) para clicar a instalação de Blake. A idéia original, de uma imagem ao ar livre, acabou substituída pelo maior conforto que o estúdio de Cooper oferecia. Para acomodar tanta informação visual, os Beatles solicitaram à EMI uma capa dupla. Blake cuidou de um encarte com diversas imagens e insígnias para recortar. Era um autêntico projeto de pop art.
Foi também o início de uma era de extravagâncias no rock. Uma capa, geralmente gerida pelo próprio departamento de arte das gravadoras, custava em torno de 25 ou 50 libras. Em Sgt. Pepper, só a direção de arte de Robert Fraser somada ao cachê de Michael Cooper custaram 1,5 mil libras; Peter Blake levou 200, mas entrou com um processo décadas depois pedindo reavaliação do valor. Os direitos de uso das fotografias das celebridades também passaram das mil libras.
O disco foi lançado em 10 de junho de 1967, vendeu 10 milhões de cópias e se tornou imediatamente um marco na cultura ocidental. Se Peter Blake (que transformou-se em sir em 2002) não recebeu nem mais um tostão de diretos, sua obra mais famosa lhe garantiu um belo lugar na história da música e das artes. E isso, como diz o outro, não tem preço.
(Bizz Especial As 100 Maiores Capas de Discos de Todos os Tempos, maio de 2005)

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