quinta-feira, setembro 09, 2010

DISCOTECA BÁSICA: THE SMITHS - THE QUEEN IS DEAD (1986)

(texto extraído da BIZZ 141, de abril de 1997; autoria de José Augusto Lemos)


Talvez ainda seja cedo demais para avaliar o verdadeiro impacto dos Smiths na história do rock’n’roll e da cultura pop. Poucas vezes foi tão rápido e fácil conquistar a adulação simultânea de público e crítica, pelo menos na velha Grã-Bretanha. E as primeiras manifestações mágicas da parceria Mornissey/Marr- singles preciosos como "Hand In Glove" e "What Difference Does It Make?" - já chegaram com sabor de clássicos instantâneos. Por outro lado, não é nada fácil encontrar traços de suas influências na atual geração de bandas...

Os Smiths foram o último suspiro de originalidade no rock britânico, a última banda relevante da explosão indie e o último legado da linhagem de Manchester que havia dado Buzzcocks e Joy Division. Seus verdadeiros trunfos estavam em suas excentricidades: conseguiram soar ao mesmo tempo extremamente punk e pop, sem contar o homoerotismo celibatário, sem plumas ou paetês, desconcertante para os padrões da usina de entretenimento infanto-juvenil.

O grupo estava mais que estabelecido no Olimpo do estrelato quando atingiu a maturidade e a perfeição em The Queen Is Dead. O disco implodia de maneira grandiloqüente a enxuta estrutura musical da banda. Uma orquestra de cordas transformando algumas das canções em verdadeiros épicos era o gesto de maior risco, tornando o som dos Smiths mais deslocado no tempo do que nunca. Este era o caso da ultradebochada faixa-título, do romantismo suicida de "There Is A Light That Never Goes Out" e da quase patológica "I Know It’s Over", certamente o momento mais ousado de Morrissey, compondo uma dilacerante canção de amor e adeus para a própria mãe.

A grande surpresa do disco estava, porém, no humor desenfreado, trazendo leveza de alma e os confortos do ceticismo à artilharia pesada que avacalhava a família real sem misericórdia em "The Queen Is Dead"; imaginava mortes sádicas para Margaret Thatcher em "Bigmouth Strikes Again"; ridicularizava à todos os medíocres do planeta em "Pranky Mr. Shankly" e extraía boas gargalhadas da obsessão pelo sexo com a impagável "Some Girls Are Bigger Than Others". Nem um amigo como Howard Devoto - outro grande letrista de Manchester, líder do Magazine - escapou ileso, da febre zombeteira que tomou o vocalista dos Smiths. Em "Cemetery Gates", ele compõe um hilariante manifesto narrando um passeio dos dois entre lápides e exibições de erudição, para concluir: "Você tem Keats e Yeats ao seu lado, mas perde/ Porque Oscar Wilde está no meu." A mensagem é fechada para quem desconhece a literatura inglesa do século passado, mas basta dizer que, celebrando a vitória do mais leviano senso de humor sobre a sisudez, o idealismo e o classicismo, Morrissey resumia em uma cápsula o espírito do disco. Tentando sacudir seus conterrâneos para acordarem de seu "passado glorioso" antes que McDonalds, Pizza Hut, Tom Cruise e Demi Moore tomassem conta, o bufão da agonia fracassou de maneira retumbante. Como popstar, porém, não se deu mal: seus discos solos podem ser irregulares mas nunca entediantes (mesmo perdendo as insuperáveis melodias de Johnny Marr) e suas turnês americanas atraem multidões de adolescentes histéricas. O mesmo não se pode dizer do parceiro-guitarrista que hoje se dedica no derivativo duo Electronic, em que ele e Barney Summer sujam a reputação de Smiths, Joy Division e New Order - isto é, pelo menos 80% do melhor rock de Manchester.

É realmente intrigante para a geração que deixou a adolescência pela chamada idade adulta nos anos 80 (ouvindo coisas como Echo & The Bunnymen e Smiths) estar representada hoje, no megaestrelato, por baba diluída como R.E.M. (afinal, Michael Stipe tietou Morrissey incansavelmente!) e U2 (provando que Brian Eno realmente transforma água em vinho!). Mas, assim como o Oasis xeroca os Beatles, ainda podem surgir alguns moleques ingleses para refrescar a memória coletiva bebendo na fonte de Morrissey e Marr.


Performance

Ano de lançamento: 1986

Produção: Morrissey e Johnny Marr.

Engenharia de som: Stephen Street

Faixas:

"The Queen Is Dead"

"Frankly Mr. Shankly"

"I Know It’s Over"

"Never Had No One Ever"

"Cemetery Gates"

"Bigmouth Strikes Again"

"The Boy With The Thorn In His Side"

"Vicar In A Tutu"

"There Is A Light That Never Goes Out"

"Some Girls Are Bigger Than Others"

Um comentário:

Marlo de Sousa disse...

Ah, meu coração! Quantas saudades! Dos Smiths, da Bizz, dos anos 80, do texto do José Augusto Lemos! Que sorte que eu vivi para ver isso tudo acontecer! =)