Durante a última semana fomos surpreendidos com o anúncio da separação do R.E.M., umas das grandes bandas de todos os tempos. Passado uns dias e analisando melhor, pararam em boa hora. Apesar de continuar lançando discos acima da média – o mais recente foi o Collapse Into Now, no primeiro semestre deste ano – o último grande álbum de Michael Stipe e Cia foi Reveal, e já passam dez anos do seu lançamento. Uma das grandes virtudes – e também das mais raras – é saber a hora certa de dizer chega, principalmente para aqueles que trabalham com arte, como os músicos, escritores e diretores. O rock nacional dos anos 80 é cheio de exemplos que não se indica serem seguidos, os caras não querem largar o osso. Como disse Neil Young, na famosa frase usada por Kurt Cobain, é melhor queimar do que apagar-se aos poucos.
Para celebrar essa banda que serviu de trilha sonora para muita gente em muitas ocasiões, trago abaixo dois textos publicados na Bizz (sempre ela!), um sobre o Automatic For The People, disco de 1992, e outro sobre o New-Adventures In Hi-Fi, de 1996, e um dos meus favoritos. Enjoy!
R.E.M. - Automatic For The People (Warner)
Existe num pequeno condado no sul dos EUA um restaurante com uma grande placa retangular ao lado da entrada onde lê-se: "Automatic For The People". Significa mais ou menos "serviço imediato para os clientes". Quatro desses clientes, semi-forasteiros da cidade vizinha, Athens, transformaram o simpático mote publicitário em título de um dos discos mais intimistas e sombriamente belos já feitos.
Automatic For The People é também o álbum menos comercial do R.E.M.. Nenhuma de suas doze faixas gruda automaticamente no ouvido. É preciso ouvir e ouvir e, quando menos se espera, está-se diante de uma possível obra-prima. Como, por exemplo, "Drive", o primeiro single e videoclip, em que o rock´n´roll surge como um personagem indeciso num ponto qualquer de uma estrada sem fim. Ou "Nightswimming", onde Michael Stipe canta um instante de felicidade perdido, com o realismo e a pungência de um velho retrato.
O disco sucede as dez milhões de cópias vendidas de Out of Time, entrou direto em segundo lugar na Billboard e encabeçou a parada inglesa. Mas, quanto ao rock, esse, ficou de fora. Quase não se percebe a bateria no disco (uma boa exceção está em "Monty Got A Raw Deal"). Berry, Buck, Mills e Stipe preferiram centrar foco no registro estranho de um violoncelo, como na belíssima "Sweetness Follows", de um piano, órgão, mandolim, de ocasionais e elegantes distorções de guitarra e da voz - enfim, crua - desvelando as letras.
Gravado na própria Athens, em New Orleans, Miami e Nova York, mixado na decantada Seattle e produzido pela própria banda e por Scott Litt, Automatic For The People é quase uma depuração mais despojada de Out of Time (já em si depurado). Em alguns momentos pode soar um tanto grandioso - especialmente quando irrompe a orquestra de cordas arranjada pelo ex-Led Zeppelin John Paul Jones - e até mesmo piegas, mas a sua forte autenticidade afasta qualquer impressão ruim. E, ainda que denso e tendo a morte e a nostalgia como elementos fundamentais em sua atmosfera, Automatic For The People é um disco leve. Como às vezes é leve a respiração.
R.E.M. - New Adventures In Hi Fi - Warner/WEA
New Adventures In Hi-Fi, do R.E.M., é um álbum atípico. O material foi composto e gravado durante a acidentada turnê de Monster (1994), que levou três dos quatro integrantes do grupo para o hospital - apenas o guitarrista Peter Buck se salvou. Além de faixas de estúdio, há outras registradas na estrada, gravadas ao vivo durante passagens de som ou mesmo no camarim. O resultado é sujo, propositadamente desleixado.
Compilações como esta costumam ser detestáveis, mas New Adventures In Hi-Fi vem confirmar a exceção. Mr. Michael Stipe substitui adjetivos que costumam namorá-lo - messiânico, pomposo, enfadonho - por simplicidade. O CD chega a tocar o genial quando aprimora o conceito "fora do tempo", só nominado em Out Of Time (1991). É assim em duas masterpieces atemporais: em "How The West Was Won And Where It Got Us", o R.E.M. abraça Velvet Underground e abandona Smiths; em "E-Bow The Letter", Stipe se faz bem mais Patti Smith do que Renato Russo. Não é pra menos: a sacerdotisa punk, recém-ressurrecta, intromete-se em pessoa para elaborar os vocais mais arrepiantes da década. E Stipe, que afirma ter decidido fazer música ouvindo a roqueira, sucumbe: larga a estridência que costuma prejudicá-lo e canta como um travesti de Patti. E há ainda a suprema obsessão temática de "Leave", a sutileza rocker de "Bittersweet Me" e "Be Mine", a sanha melódica de "Zither" e "Electrolite". Bravo.