Já já começa o show do Radiohead em São Paulo. Irei conferir no Multishow. Espero que não façam (muita) merda (tô falando do canal, não da banda). Para ir entrando no clima, abaixo trago o texto sobre o esquizofrênico, maluco e chapado Kid A, sucessor do Ok Computer e que deixou muita gente surpresa com a viagem sonora de Thom Yorke e cia. O autor do texto, José Flávio Junior, o compara à In Utero, do Nirvana, e Automatic For The People, do R.E.M.. Colocaria também na lista Angel Dust, do Faith No More. Sem mais delongas, vamos ao texto, publicado na Bizz de outubro de 2000.
RADIOHEAD - KID A
Tudo faz sentido no quarto álbum do Radiohead. Pegue exemplos recentes e reflita: o que o Nirvana fez depois de Nevermind? O que o R.E.M. fez depois de Out Of Time? Kid A, com sua falta de poesia, com sua falta de guitarra, com sua falta de estrofes e refrãos, equivale ao que a brutalidade de In Utero significou para o trio de Kurt Cobain e à leveza semi-acústica que Stipe, Berry, Buck e Mills conseguiram com Automatic For The People. Ou alguém acha que não existe sofrimento em se tornar o maior expoente de um gênero musical, ser o progenitor da obra mais aguardada do ano? Ainda mais para uma banda que foi motivo de piada pela crítica quando apareceu com seu primeiro single nas paradas.
O disco é complicado? Sim, até indigesto, mas não deixa de ser envolvente e de esbanjar qualidades. Quem conhece mesmo Radiohead vai fazer com Kid A o mesmo que uma criança faz quando recebe um ovo de páscoa enorme, que pelo barulho indica estar cheio de bombons. A surpresa é que esse ovo do Radiohead é oco. Ou pode parecer.
Até o meio do disco, é possível arrancar exatas 19 frases completas e diferentes de Thom Yorke. Só, e com muito custo. A abertura, com "Everything In Its Right Place", é fenomenal, envolve pela repetição dos quatro versos. "Kid A", a seguinte, é incompreensível. A voz de Yorke passa por um vocoder do além que não dá a mínima chance ao ouvinte de entender algo. Faz lembrar Tortoise. Com uma linha de baixo ameaçadora, "National Anthem" prossegue a viagem com bateria jazzy e saxofones dissonantes. Bate uma vontade de chacoalhar o corpo como faz o vocalista, que completa mais duas frases. Vem "How To Disappear Completely", com cordas adulteradas, e o clima hipnótico e claustrofóbico da obra se acentua com os versos "Eu não estou aqui/Isto não está acontecendo". "Treefingers" não tem letra, só sobreposição de órgãos.
Aí você respira fundo, porque dos 50 minutos de duração só se passaram 25. "Optimistic" é a que mais se aproxima de algo que poderia tocar no rádio. E é bem quando você está pensando nisso que entra um epílogo chamado "In Limbo" e a canção bate os 8 minutos e 49 segundos. Não, não vai tocar no rádio. "Idioteque": essa pode até mudar o conceito das pessoas sobre o que é música, a obra-prima do Radiohead. Por cima de uma base eletrônica, Yorke parece estar narrando um acidente de avião ou de navio e põe o fã no meio da agonia. Alguns vão desligar o aparelho de som depois dessa. Outros ainda vão ouvir o loop humano de bateria que conduz "Morning Bell", as harpas e o clima Walt Disney de "Motion Picture Soundtrack" e uma vinheta, escondida e sem relevância.
Quem acompanhou o martírio que foi a confecção desse disco, talvez já estivesse esperando tamanha "esquisitice". "Ora, OK Computer não parecia nada fácil à primeira audição e foi o estrondo que foi", poderia se pensar. Mas, não. Kid A é um disco pós-Radiohead (recuse se tentarem vendê-lo como pós-rock). Aquele som que virou o som do Muse e de milhares de bandinhas mundo afora, não pertence mais ao quinteto que o criou. O Radiohead enxergou a situação e trilhou um novo caminho. Gênio.
O disco é complicado? Sim, até indigesto, mas não deixa de ser envolvente e de esbanjar qualidades. Quem conhece mesmo Radiohead vai fazer com Kid A o mesmo que uma criança faz quando recebe um ovo de páscoa enorme, que pelo barulho indica estar cheio de bombons. A surpresa é que esse ovo do Radiohead é oco. Ou pode parecer.
Até o meio do disco, é possível arrancar exatas 19 frases completas e diferentes de Thom Yorke. Só, e com muito custo. A abertura, com "Everything In Its Right Place", é fenomenal, envolve pela repetição dos quatro versos. "Kid A", a seguinte, é incompreensível. A voz de Yorke passa por um vocoder do além que não dá a mínima chance ao ouvinte de entender algo. Faz lembrar Tortoise. Com uma linha de baixo ameaçadora, "National Anthem" prossegue a viagem com bateria jazzy e saxofones dissonantes. Bate uma vontade de chacoalhar o corpo como faz o vocalista, que completa mais duas frases. Vem "How To Disappear Completely", com cordas adulteradas, e o clima hipnótico e claustrofóbico da obra se acentua com os versos "Eu não estou aqui/Isto não está acontecendo". "Treefingers" não tem letra, só sobreposição de órgãos.
Aí você respira fundo, porque dos 50 minutos de duração só se passaram 25. "Optimistic" é a que mais se aproxima de algo que poderia tocar no rádio. E é bem quando você está pensando nisso que entra um epílogo chamado "In Limbo" e a canção bate os 8 minutos e 49 segundos. Não, não vai tocar no rádio. "Idioteque": essa pode até mudar o conceito das pessoas sobre o que é música, a obra-prima do Radiohead. Por cima de uma base eletrônica, Yorke parece estar narrando um acidente de avião ou de navio e põe o fã no meio da agonia. Alguns vão desligar o aparelho de som depois dessa. Outros ainda vão ouvir o loop humano de bateria que conduz "Morning Bell", as harpas e o clima Walt Disney de "Motion Picture Soundtrack" e uma vinheta, escondida e sem relevância.
Quem acompanhou o martírio que foi a confecção desse disco, talvez já estivesse esperando tamanha "esquisitice". "Ora, OK Computer não parecia nada fácil à primeira audição e foi o estrondo que foi", poderia se pensar. Mas, não. Kid A é um disco pós-Radiohead (recuse se tentarem vendê-lo como pós-rock). Aquele som que virou o som do Muse e de milhares de bandinhas mundo afora, não pertence mais ao quinteto que o criou. O Radiohead enxergou a situação e trilhou um novo caminho. Gênio.
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